Uma Quaresma com São Francisco de Assis
Ir. Joice Korathil
Cantinho Franciscano
Uma Quaresma com São Francisco de Assis
Estamos já no tempo da quaresma. Vamos percorrer um pouco junto com nosso pai seráfico São Francisco de Assis a fim de revigorar em nós o entusiasmo na fé e no seguimento de Jesus, nosso Mestre!
No entanto lembremos-nos da importância dos 40 dias na Sagrada Escritura: Moisés permanece quarenta dias no monte Sinai falando com Deus (Ex. 24,12-18); o gigante Golias desafiou o povo de Israel por quarenta dias, enfim desafiou e foi morto por Davi (ISam.17,16-41); durante quarenta dias o profeta Elia caminhou no deserto até ao monte de Deus, Horeb(I Reis 19,8-14 ); por quarenta dias o profeta Jonas em nome de Deus pede aos ninivitas penitência (Jó 3,4-11); diante destes dados proféticos Jesus antes de sua vida pública retirou-se no deserto por quarenta dias (Mc.1,13) e depois da sua ressurreição Jesus permaneceu ainda para 40 dias com seus, comendo com eles fazendo-lhes entender toda a Sagrada Escritura. É nesta perspectiva que a Igreja na sua liturgia anual estabelece para que também nós hoje, façamos um período de jejum, oração e caridade, para podermos fortalecer na fé em Cristo. E, no mesmo tempo, dizendo agora o “não” aos prazeres terrestres professamos a nossa fé na vida além da morte e, já aqui na terra antecipamos os sabores celestiais do Pão do Ressuscitado, o Pão servido pelo Cordeiro no banquete Celeste!
As várias “Quaresmas” de S. Francisco de Assis
São Francisco, no desejo de imitar e assemelhar-se o mais possível a Jesus Cristo, com a finalidade de reviver os mistérios que ocorrem durante o ano litúrgico, não se limita em fazer as quaresmas “grandes”: quaresma em preparação da Páscoa do Senhor, ou advento em preparação ao Natal, mas quis ir além. São seis as Quaresmas que Francisco fazia durante o ano. Isto quer dizer que durante duzentos e quarenta dias por ano ele passava na solidão e no retiro, rezando e mortificando-se, longe dos homens e perto de Deus, num desejo duma continua conversão. Ou seja, dois terços de seu tempo na contemplação e somente um terço nos trabalhos apostólicos! São:
● a Quaresma da Epifania (7 de Janeiro a 15 de Fevereiro): Com esta quaresma São Francisco queria viver um tempo especial entre o Natal do Senhor e a Páscoa. São festividades intimamente unidas uma na outra e representam como dois pólos ao único mistério de salvação. Diz o biografo Celano: “ ele meditava continuamente as palavras do Senhor... mas sobre tudo a humildade da encarnação e a caridade da paixão... e dificilmente não conseguia pensar em outras coisas (I Cel. 84;467).
● a Quaresma da Ressurreição do Senhor (de Quarta-feira de Cinzas até à Páscoa): gostava chamar este tempo “Quaresma das Quaresmas”
● a Quaresma de São Pedro e São Paulo, (de 20 de Maio a 29 de Junho), pelo seu profundo respeito e devoção para com a Igreja. E através dessa Quaresma manifestava sua comunhão com a jerarquia da Igreja, sobretudo para com o papa.
● a Quaresma da Assunção de Nossa Senhora (de 29 de Junho a 15 de Agosto) dando assim o caráter eclesiástico- mariano, como testemunha São Boaverntura: “Ele tinha uma grande devoção e amor para com a Virgem Maria pelo fato que era mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
● a Quaresma de São Miguel Arcanjo (de 15 de Agosto a 29 de Setembro) pela sua muita devoção aos santos anjos. Devemos venerá-los – dizia ele – estes companheiros de caminhada, que nos acompanham em qualquer lugar, como nossos guardiões. E em fim,
● a Quaresma do Advento ou da Encarnação (da Festa de Todos os Santos até ao Natal) do Senhor.
Entre muitos episódios, vamos lembrar como uma vez São Francisco passou a Quaresma das Quaresmas, na ilha do lago Trasimeno:
“Estando uma vez São Francisco, no dia do carnaval, ao lado do lago de Perusa, na casa de um seu devoto, com quem tinha se hospedado à noite, foi inspirado por Deus que fosse fazer aquela Quaresma numa ilha do lago. Por isso, São Francisco pediu a esse seu devoto que por amor de Cristo o levasse com a sua barca a uma ilha do lago onde não morasse ninguém, e fizesse isso na noite do dia de Cinzas, de modo que ninguém se desse conta. E ele, por amor da grande devoção que tinha por São Francisco, atendeu solicitamente ao seu pedido e o levou para a dita ilha; e São Francisco não levou consigo a não ser dois pãezinhos. E quando chegou à ilha e o amigo estava partindo para voltar para casa, São Francisco pediu-lhe encarecidamente que não revelasse a ninguém como ele estava lá, e que não viesse busca-lo a não ser na Quinta-feira Santa. E assim ele partiu, e São Francisco ficou sozinho.
E como não havia nenhuma habitação em que pudesse abrigar-se, entrou num bosque muito espesso, que ameixeiras e arbustos tinham ajeitado como um ninho ou como uma cabaninha; e nesse lugar pôs-se a rezar e a contemplar as coisas celestiais. E esteve aí durante toda a Quaresma, sem comer nem beber, a não ser a metade de um dos pãezinhos, como descobriu o seu devoto na Quinta-feira Santa, quando voltou a ele; o qual encontrou, dos dois pãezinhos, um e meio; e a outra metade se acredita que São Francisco comeu por devoção ao jejum de Cristo bendito, que jejuou quarenta dias e quarenta noites sem tomar nenhum alimento material. E assim, com aquele meio pão, afastou de si o veneno da vanglória e, a exemplo de Cristo, e jejuou quarenta dias e quarenta noites”. (Fioretti,7)
Queremos lembrar que enquanto Francisco se afastava dos homens e das atividades deste mundo e procurava o silêncio e solidão fazendo suas quaresmas, ele continuava vivendo em profunda comunhão com Deus, consigo mesmo e com as criaturas. Nada lhe impedia de amar e admirar todas as criaturas, de degustar o que é bom e belo do universo. Não queria possuir alguma coisa neste mundo, mas, gozava livremente de todas. Livre de toda cupidez estava em adequadas condições para ouvir a voz das criaturas, cercá-las de amor e elevá-las com Cristo e por Cristo ao Pai. Por isso Francisco realizava suas quaresmas escolhendo o verde das selvas, a verdade das ervas e das flores, o canto dos pássaros, a vastidão dos horizontes, que facilitavam seu impulso contemplativo e revestiam de cunho alegre seus jejuns e suas mortificações. (Dicionário Franciscano)
Durante uma estadia de São Francisco no monte Alverne, fazendo a quaresma em honra de São Miguel Arcanjo, um falcão que morava por aquelas partes fez com ele um pacto de amizade: à noite, chegando a hora em que o santo tinha por hábito levantar-se para recitar o ofício divino, ele o antecipava sempre com seu canto. Isso era sumamente grato ao santo, pois a constante solicitude que o falcão tinha com ele fazia expulsar toda tentação de preguiça. Mas quando o servo de Deus piorava em suas enfermidades, o falcão se mostrava muito atento e condescendente, não o despertando a horas impróprias da noite. Pelo contrário, como estava instruído pelo próprio Deus, ao amanhecer, prorrompia em leves e suaves ruídos, à semelhança de quem toca um sino. As alegrias de toda aquela variedade de aves bem como o canto do falcão eram seguramente o presságio divino da elevação que nesse lugar, pouco depois, a aparição do serafim devia conferir ao cantor e ao adorador de Deus arrebatado nas asas da contemplação. (LM 8,10).
Pois bem, vamos nós também, nesta quaresma, procurar um pouco mais o silêncio e a solidão, que não seja uma fuga das nossas responsabilidades, mas, para experimentarmos os sabores celestiais e enxergarmos melhor a beleza e o equilíbrio que estão contidos no mistério da criação; o jejum e a oração não tenha somente o sabor amargo da penitencia mas, também, o sabor da alegria em contemplar o mistério da redenção e a caridade como fruto inevitável desta bondade contemplada!
(Referencias: Fontes Franciscanas; Dicionário Franciscano, Sagrada Escritura).
Irmãs Franciscanas