Páscoa e Francisco de Assis



Falar de Francisco e da Santa Páscoa vivido por ele é tão diferente dos conceitos normais que temos hoje sobre as celebrações pascais!
1.      Páscoa: caminhar neste mundo como Peregrinos e Forasteiros!
(Francisco no domingo da Páscoa)
De primeira vista, temos o episódio de Francisco no dia da Páscoa, narrado por São Boaventura: Certa
vez, no dia sagrado da Páscoa, estando num eremitério distante e sem poder mendigar, Francisco pediu esmola aos próprios irmãos, como peregrino e pobre, em memória d’Aquele que, naquele dia, aparecera aos discípulos na estrada de Emaús sob a figura do peregrino. E tendo-a recebido com humildade, instruiu-os nas divinas letras, exortando-os a que no deserto deste mundo se julgassem peregrinos e estrangeiros, isto é, como verdadeiros israelitas, e a que celebrassem continuamente em pobreza de espírito a Páscoa do Senhor, ou seja, o trânsito desta vida à vida eterna, a passagem deste mundo para o Pai” ( LM, VII, 9).

O Ressuscitado caminha conosco como “peregrino e forasteiro! Não tendo moradia fixa aparece aonde quiser e para quem quiser! De fato até os dois discípulos perguntam com ele na sua conversa; “És tu acaso o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que nela aconteceu estes dias?”(Lc 24,18)
Francisco diz na Regra: “Os irmãos nada tenham de seu, nem casa, nem lugar, nem coisa alguma; mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo a Deus em pobreza e humildade...” ( RB 6) Para Francisco, viver em pobreza é essencialmente considerar-se como forasteiro. O peregrino e forasteiro sempre é pobre. Como os hebreus saindo do Egito e atravessando o deserto viviam no despojamento e na penitência enquanto buscavam a Terra Prometida, os Irmãos andam neste mundo em peregrinação pascal: nada deste mundo nos pertence, não temos que fazer outra coisa senão passar pelo mundo para o Pai como “estrangeiros”. Não temos que nos instalar com segurança em nenhum lugar, agarrar-nos com nenhuma coisa ou pessoa,  mas alojamo-nos como hóspedes de passagem que se abrigam sob um teto dado de favor. Assim, foi a instalação desconfortável dos irmãos no tugúrio de Rivotorto. Admirável o fato de, posteriormente, terem abandonado esse local, expulsos por um camponês com toda serenidade, sem manifestarem violência. (1C 42). Compreenderam o sentido do provisório na existência cristã. Ao irmão que reclamava da falta de conforto, Francisco dizia: “Não suportar as privações com paciência, meu filho, é voltar às cebolas do Egito” .
No final do sobredito episódio Francisco exorta os seus Irmãos que “celebrassem continuamente em pobreza de espírito a Páscoa do Senhor”. De fato, para nós viver como “peregrinos e forasteiros” diante de tudo o que o mundo oferece hoje é um desafio continuo e requer muita convicção profunda da nossa vocação e muito amor para com ela! È um celebrar continuamente o espírito da pobreza, rumo a Páscoa!

2.      Páscoa: passagem deste mundo para o Pai!

(Francisco e a sua conversão)
 A respeito da Páscoa como “passagem deste mundo para o Pai”, lembramos que Francisco viveu a sua vida de conversão numa continua celebração da Páscoa. Francisco escreve no seu Testamento, após lembrar da sua experiência com os leprosos: «E ao afastar-me deles, o que antes me parecera amargo, converteu-se para mim em doçura de alma e de corpo: e em seguida, passado um pouco de tempo, saí do mundo» (nº 3).
Celebrar a Páscoa por isso para nós, franciscanos e franciscanas, é viver continuamente o mistério da conversão! Sair do mundo, sair de tudo o que nos impede de amar livremente os Irmãos e Irmãs e chegar à experiência do Êxodo: o que è amargo converter-se em doçura de alma e corpo!

3.      Páscoa: o dom da fraternidade!
(Jesus e Francisco na Quinta-feira Santa) Francisco vive seus últimos dias e últimas horas na contemplação total do mistério pascal, celebrando assim com seus Irmãos o que Jesus fez com seus apóstolos . O Celano nos lembra: “E para em tudo ser perfeito imitador de Cristo, seu Deus, amou até ao fim os irmãos e filhos que desde sempre tinha amado. Enquanto os irmãos choravam amargamente e se lamentavam inconsoláveis, mandou o pai que lhe trouxessem pão. Abençoou-o, partiu-o e deu um bocado a cada um. Quis também que lhe levassem o livro dos Evangelhos e lhe lessem o Evangelho de São João a partir da frase que começa com estas palavras: «Antes da festa da Páscoa, etc.». Tinha presente aquela sacratíssima ceia que o Senhor celebrou pela última vez com os discípulos. ... Depois, estendeu a mão direita sobre os irmãos sentados em redor e pousou-a sobre a cabeça de cada um deles, começando pelo seu Vigário: Tudo isto ele fez, com efeito, em veneranda memória, daquela ceia e para testemunhar a ternura que tinha pelos irmãos..(Cl 214-217)
 Na sua Primeira Regra, Francisco faz uma ligação imediata entre o ser irmão menor e o lavar os pés: «Todos, indistintamente, se chamem irmãos menores. E lavem os pés uns aos outros» (RNB 6, 3-4). A “fraternidade cessa de existir quando não tem mais o espírito do “lava-pés” nas nossas Casas e quando não sabemos mais comer na mesma mesa e partir o pão dando um bocado a cada um dos nossos irmãos da fraternidade!  Jesus e Francisco fazem o rito do lava-pés quando “amou até o fim” os seus Irmãos e abriram assim o caminho para construir a fraternidade, onde os irmãos e irmãs são recomendados de fazer o que o Mestre fez: “Fazei isto em minha memória”!

4.      Páscoa: Viver despojados dos bens da terra para gozar dos bens do céu!
(Jesus e Francisco ‘nu’ e ‘crucificado’  na sexta-feira santa)
Francisco primeiro “crucificado” e depois “nu”. Jesus primeiro nu e depois crucificado!
Francisco nu: No primeiro dia de sua conversão, perante o bispo de Assis, Francisco despojara-se de suas vestes, deixando a vida mundana, para poder dizer com toda verdade e liberdade: “Pai nosso que estais no céu.”
No último dia da sua vida, despojado-se de seu hábito, colocado nu na terra nua,  quis seguir seu Mestre: “Posto no chão, sem a roupa de saco, voltou o rosto para o céu como de costume e todo atento naquela glória, cobriu a chaga do lado direito com a mão esquerda, para que não a vissem. E disse aos frades: “Fiz o que tinha que fazer. Que Cristo vos ensine o que cabe a vós” (2Cel 214) .... e começou a cantar a última estrofe do Cântico: : «Bem vinda seja  a minha irmã morte»” (2Cl 217). 
Dois anos antes da sua morte, durante a Quaresma de São Miguel Arcanjo, enquanto estava meditando a paixão de Cristo no monte Alverne, Francisco pede a Deus duas graças:
«Senhor meu Jesus Cristo, rogo me concedas duas graças antes de morrer: a primeira é que eu sinta no corpo e na alma, quanto seja possível, a dor que Tu, doce Jesus, sofreste no tormento da tua acerba Paixão; a segunda é que eu sinta no meu coração, quanto possível, aquele excessivo amor em que Tu, Filho de Deus, ardias quando sofreste voluntariamente tantos tormentos por nós, pecadores.» Como resposta Francisco recebe as chagas de Cristo! Francisco, como prova do seu excessivo amor, torna-se homem crucificado, homem das chagas, homem da paixão (CCE 3).
Assim, ao longo do tempo, Francisco foi realizando em seu corpo e em sua alma, os mistérios de Cristo. Diz Celano: “E assim chegou a hora. Tendo completado em si todos os mistérios de Cristo, voou feliz para Deus” ( 2Cel 217).
5.      Páscoa: o ressuscitado aparece

(Jesus e Francisco: aparição aos muitos!)

A partir da manhã da Páscoa Jesus aparece a muitos começando aos seus discípulos!  “...foi arrebatado ao céu. É a eles  que se manifestou vivo depois de sua Paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas do Reino de Deus”  (At 1, 3).  Francisco, como perfeito imitador de Cristo, não somente na vida e na morte mas também nas apariçoes após da morte!
Entre muitos episódios, vamos lembrar  a do Como o santo pai apareceu a um irmão depois do passamento.
 “A um outro frade de vida louvável, suspenso em oração naquela noite e naquela hora, o glorioso pai apareceu vestido com uma dalmática de cor púrpura, acompanhado por uma multidão numerosa de pessoas. Muitos, que saíam dessa multidão, disseram ao frade: “Irmão, será que esse é o Cristo?” Ele respondia: “É ele mesmo”. Mas outros também perguntavam: “Mas não é São Francisco?” O frade também dizia que era ele mesmo.
E, de fato, tanto para o frade como para todos aqueles que o acompanhavam, dava a impressão de que Cristo e São Francisco eram uma só pessoa.
Os que sabem entender bem não vão achar temerária essa afirmação, porque aquele que adere a Deus torna-se um só espírito com ele, e o próprio Deus vai ser um só em todo no futuro.
Finalmente o bem-aventurado pai chegou, com aquela admirável multidão, a lugares agradabilíssimos, muito verdes pelo viço de todas as gramíneas irrigadas por água muito límpida, em plena primavera de flores e repletos de árvores de todas as espécies deliciosas.
Levantava-se aí um palácio de tamanho admirável e de beleza ímpar, em que o novo habitante do céu entrou alegremente, indo encontrar lá dentro muitos frades. E começou a se banquetear gostosamente com os seus numa mesa esplendidamente preparada e cheia das mais variadas iguarias” (2C 219).
E assim podemos concluir que Francisco desde o seu nascimento no meio dos animais até a sua subida aos céus,  de Belém à Galiléia, imitou o Mestre, e agora está sentado à direita do Pai, recebendo assim o título de “Alter Christus”.